Fraude do INSS: duas associações investigadas, em Sergipe, foram criadas com documentos com assinaturas falsas, aponta perícia
04/05/2025
(Foto: Reprodução) Fraude atingiu pelo menos 4 milhões de aposentados e pensionistas e os descontos indevidos passam de R$ 6 bilhões. O escândalo derrubou o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. PF descobre assinaturas falsas usadas na fraude do INSS
O Fantástico teve acesso a informações da investigação da Polícia Federal sobre a fraude do INSS que atingiu pelo menos 4 milhões de aposentados e pensionistas. Os descontos indevidos passam de R$ 6 bilhões. A perícia descobriu que duas associações investigadas, em Sergipe, foram criadas com documentos que continham assinaturas falsas.
Em 2019, o INSS passou a permitir que associações - como essas de Sergipe - recolhessem contribuições de forma automática, descontadas direto das folhas de pagamento dos aposentados. A única condição era um documento que comprovasse a associação do beneficiário de forma voluntária. Poderia ser uma simples assinatura em uma folha de papel. Foi aí que a fraude começou.
Os descontos ilegais nos contracheques são identificados como contribuição, seguido do nome de uma associação e de um número de telefone. Valores que variavam entre R$ 30 e R$ 50. Muitos beneficiários não percebiam para quem o dinheiro era destinado.
Mas uma aposentada de Feira de Santana, na Bahia, ficou inconformada. Ela, que preferiu não se identificar, insistiu tanto com o Ministério Público Federal que a investigação começou a andar em Sergipe. Isso porque a associação que estava debitando dinheiro dela tem sede em Aracaju. O Fantástico teve acesso com exclusividade ao trabalho dos peritos da Polícia Federal no estado, onde seis suspeitos foram presos. A perícia comparou assinaturas entregues pela aposentada de Feira de Santana com documentos fraudados que uma das associações investigadas usou para autorizar os descontos junto ao INSS.
“A assinatura que foi posta no termo de filiação e na autorização de desconto são falsificadas. Nós identificamos elementos que apontam o nascimento dessas entidades, já com cometimento de crimes”, afirma o delegado Carlos César Pereira de Melo, delegado da Polícia Federal/ SE.
Fraude do INSS: duas associações investigadas, em Sergipe, foram criadas com documentos com assinaturas falsas, aponta perícia
Fantástico/ Reprodução
Ou seja, a polícia também descobriu fraudes na criação dessas associações. O Fantástico procurou a associação que, segundo a investigação, falsificou a assinatura da aposentada da Bahia. A Associação Universo, uma das entidades investigadas pela Polícia Federal no estado, faz parte de um grupo que recebeu mais de R$ 300 milhões em 21 meses só em contribuições vindas do INSS. Esse grupo chegou a ter 629 mil associados. Isso é mais do que a população inteira da cidade. Outra associação investigada é a APDAP PREV.
A investigação aponta que as duas entidades seriam controladas pelos empresários Alexsandro Prado Santos, o Lequinho, e Sandro Temer de Oliveira. Os dois são sócios e foram presos na operação deflagrada no final de abril. As quantias transferidas do INSS para as duas associações eram distribuídas para várias empresas em nome de laranjas.
Repórter: Esse mecanismo também de repasse entre várias empresas já caracteriza uma tentativa de lavagem de dinheiro?
Carlos César Pereira de Melo, delegado: Já. E, assim, em um dos documentos apreendidos, que foi uma agenda na casa do investigado, há registro de divisão de dinheiro em razão das associações.
A defesa de Alexsandro Prado Santos e Sandro Temer de Oliveira não quis se manifestar.
Operação da CGU e PF
Fraude do INSS: duas associações investigadas, em Sergipe, foram criadas com documentos com assinaturas falsas, aponta perícia
Fantástico/ Reprodução
A operação da CGU - Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal, deflagrada no último dia 23, cumpriu mais de 200 mandados de busca e apreensão e ordens de sequestro de mais de R$ 1 bilhão. Os agentes foram às ruas do Distrito Federal e outros 13 estados para combater a fraude que desviou mais de R$ 6 bilhões de aposentadorias do INSS entre 2019 e 2024.
No dia da ação, a Justiça determinou o afastamento de seis servidores públicos suspeitos de omissão, entre eles o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, que acabou demitido.
A CGU disse que, por causa dos indícios de irregularidades, em 2023 recomendou ao INSS a suspensão dos acordos com associações que faziam descontos em aposentadorias. Carlos Lupi, então ministro da Previdência Social, confirmou que foi comunicado. Mas as denúncias só começaram a ser apuradas um ano depois, quando a CGU já tinha aberto auditoria, como revelou o Jornal Nacional.
Desgastado, Lupi pediu demissão na sexta-feira (2). O ex-deputado federal Wolney Queiroz foi nomeado o novo ministro da Previdência e o procurador federal Gilberto Waller Júnior assumiu o cargo de presidente do INSS.
A investigação aponta para três estruturas do esquema:
a primeira é de associações locais e de diretores ligados a elas;
a segunda, dos operadores financeiros, que faziam a lavagem do dinheiro, como os dois empresários de Sergipe, que mostramos nessa reportagem;
a última é a dos agentes públicos vinculados ao INSS, que liberavam os descontos indevidos para as associações.
“O INSS alegava que estava tomando medidas. O que a gente vê na prática é que os descontos continuavam ocorrendo praticamente da mesma forma”, diz Luis Eduardo Melo de Castro, delegado chefe da Divisão de Repressão a Crimes Previdenciários/ PF-DF.
A CGU e a Polícia Federal defendem que o INSS implemente rapidamente um sistema mais seguro, de biometria, para autorizar os descontos, parecido com o que os bancos já fazem usando a câmera do celular.
A Polícia Federal diz: se você é aposentado do INSS e identificou descontos que não autorizou no seu contracheque, denuncie pelo site da PF.
A defesa do ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto disse, em nota, que ao final da investigação a verdade dos fatos será restabelecida e a inocência do ex-presidente será confirmada.
Também por nota, o INSS informou que vem mantendo reuniões constantes nos últimos dias com os órgãos de controle, especialmente a CGU, visando aprimorar os procedimentos que impliquem em desconto a aposentados e pensionistas, para garantir segurança a todos os seus beneficiários.
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